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NATAL NÃO COMBINA COM CUBA LIBRE


  9 de dezembro de 2010

NATAL NÃO COMBINA COM CUBA LIBRE   

                                                        José Carlos Buch

Corria o ano de 1963 e,  naquela época o Natal, principalmente para as crianças e adolescentes,  demorava a chegar e, como demorava! Diferentemente dos dias de hoje onde impera o mercantilismo, o espírito de fraternidade se fazia presente e os presentes não iam além de simples brinquedos para a criançada, normalmente caminhãozinho ou bola para os meninos e, invariavelmente bonecas para as meninas. Os adultos trocavam cartões, normalmente manuscritos e a tradição consistia em usar uma roupa nova na missa do Galo.  Na ceia dos mais abastados não faltavam, além dos assados,  castanhas, uva  e figo em passas e, em todas as  cestas de natal, a mais famosa era a “Cesta de Natal Amaral”, não faltavam  biscoitos recheados, vinhos importados e até mesmo a famosa  lata 4×1 da marca “Cica” que continha goiabada, marmelada, pessegada e doce de figo. Bons tempos! Semana depois, as esperanças renasciam com a chegada do ano novo que, fiel também à tradição, levava as crianças, logo nas primeiras horas da manhã,  a bater de porta em porta pedindo “bom princípio”. Uns recebiam balas, nem sempre bem-vindas,  já que na verdade buscavam alguns trocados. As crianças que moravam no bairro São Francisco, formavam fila,  sob os olhos sempre atentos do Zicão, a partir das 9:00 horas da manhã, em frente ao escritório do Comendador Pedro Monteleone, na esquina da rua XV de Novembro com Porto Alegre, para receber pessoalmente das mãos dele cumprimentos de “feliz ano novo” e uma nota de “cruzeiro”  estalando de nova. Era bom  de se ver a alegria estampada no rosto do generoso homem que, sentado no segundo degrau da porta de entrada  do escritório,  fazia questão de receber, um a um  os pequeninos, na sua quase totalidade meninos pobres que moravam nas imediações e  bairros adjacentes. O entretenimento não ia além das brincadeiras de salva pega, nadar no poção, jogar pelada em pleno sol a pino e, aos sábados à noite,  assistir filme do Gim da Silva e Tarzan,  no precário  cinema que funcionava onde hoje é o salão de festa da Igreja de São Francisco.  Os menos pobres podiam assistir filmes melhores nos cines Central, República, Bandeirantes e Tropical(o mais chic da cidade) ou mesmo televisão. A TV  Tupi – canal 4(a mais assistida na cidade), apresentava   aos sábados, entre 20:00 e 21:00 horas,  o imperdível  seriado Bonanza.  Nesse ano de 1963, Silvio Santos, então modesto radialista,  recebia de graça das mãos  de Manoel da Nobre a BF – Baú da Felicidade Utilidades Domésticas  e Brinquedos, uma empresa quebrada que, após recuperada tornar-se-ia ícone e a principal fonte do conglomerado de empresas criadas pelo apresentador. Na TV Excelsior não havia como deixar de   assistir, todas  quintas feiras a partir das 20:30 horas, o programa Moacyr Franco Show, cuja maior atração era o então garoto prodígio “Guto”, filho do cantor/apresentador. Era o  tempo em que a missa do Galo era celebrada à meia noite e em Latim. No então Santuário a celebração era feita pelo padre Luciano Cappellari, hoje pároco da pequena cidade de General Hastera, próximo 50 kilometros de Buenos Aires.  E, foi essa a última  missa do Galo celebrada antes da ditadura militar que se instalou no país no mês de março do ano seguinte perdurando até 1985. O regime militar aqui instalado,   infelizmente,  fez escola e serviu de modelo para outros países da América Latina(Bolívia 1971/1985, Chile 1973/1989, Venezuela 1973/1984 e Argentina 1976/1983). Historicamente o Brasil se tornou exportador da repressão. O ano  estava prestes a terminar e o mundo ainda não tinha superado o trauma do lamentável episódio do assassinato do Presidente John F. Kennedy, em Dalas, no Texas, em 22 de novembro. No Brasil os cânticos de Natal cediam lugar para musicas de carnaval, principalmente a “Cabeleira do Zezé”,  composta por Roberto Kelly na voz de Jorge Goulart,   que se constituiria no maior sucesso nos festejos de momo em 1964. Desse modo, no revellion daquele ano, ao desejar votos de feliz 1964, mal sabiam os brasileiros o que os aguardava e, tampouco,  os adolescentes da época sequer imaginavam que teriam que conviver toda a sua juventude governados por regime de caça às bruxas  que os privaria da liberdade, da livre expressão e de qualquer tipo de manifestação, inclusive o direito de votar,  por longos 21 anos. A censura imperava na imprensa que, não raras vezes ocupava com poemas e receitas de bolos os espaços cujas matérias a eles destinadas haviam sido censuradas. Nos meios acadêmicos todos eram fichados, professores, diretores e  até mesmo os alunos dirigentes de Centros Acadêmicos, caso específico deste colunista. Mas, no Natal de 1963 eu e mais alguns amigos, não víamos a hora de terminar a missa do Galo para saborear o famoso  “bauru” no Bar do Viaduto e experimentar um tipo de bebida que era o maior sucesso na época – cuba libre -, uma mistura de rum, coca-cola, suco de meio limão e gelo que, é bem verdade, há muitos anos caiu em  desuso, mas o pileque por ela proporcionado não deixa saudade. Assim, cuba libre e “bauru” constituiu-se na minha ceia e também  de alguns amigos naquele Natal de 1963.  Toda essa lembrança tem uma razão de ser – todos passamos o pior Natal das nossas vidas,  não pela missa do Galo que foi sempre solene e adornada com inesquecíveis cânticos de Natal,  mas  por conta do vômito, dor de cabeça e do mal estar  provocado pela ingestão da  bebida à base de rum e do sanduíche condimentado. Conquanto, mal sabíamos que na nossa doce ilusão de meninos pobres era o prenúncio  de uma época de privação que estava pra começar e que produziu alguns prodígios, muitos dos quais nossos governantes atuais. Feliz Natal e promissor ano de 2011, sem privação e sem  medo de ser feliz, mas tendo como governante mor um dos prodígios daquela  revolução. Afinal, cada país tem o(a) governante que merece!

                                                       advogado tributário

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