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TRISTE REALIDADE DAS RUAS


  6 de julho de 2015

TRISTE REALIDADE  DAS RUAS  

                                                                           José Carlos Buch

Cena 1. Santiago do Chile – São dez horas da manhã fria do dia 19 de junho, véspera do jogo Brasil x Venezuela, pela Copa América. O dia clareou há pouco mais de uma hora, por conta do horário de verão que ainda permanece no Chile, não obstante o inconformismo da população. A temperatura não mais do que cinco graus. Na Rua Nueva Providência, inúmeros veículos transitam apressadamente, muitos do tipo “Van” transportando turistas que irão visitar vinícolas, Vale Nevado (atualmente sem neve),  Valparaiso, sede do parlamento e terra de Pablo Neruda e Vina Del Mar, que se constitui num dos principais portos do Chile e importante balneário de mar azul do Pacífico e água muito fria. Contornando a parede externa do Hotel Neruda, na esquina com a Rua Pedro de Valdívia, um espelho d´água onde nos finais da tarde funciona um chafariz. Á agua, além de muita fria se apresenta um pouco turva e literalmente imprópria. A cidade está em estado de alerta com rodízio de veículos por conta da densa camada de poluição que paira no céu.  Um senhor de meia idade e estatura mediana, como são praticamente todos os chilenos, provavelmente morador de rua, sem camisa está debruçado na mureta do espelho d´água de aproximadamente trinta centímetros de altura e, cuidadosamente lava a cabeça esparramando shampoo sobre a farta cabeleira de cor castanha escura. Ao final, aplica um creme no rosto e começa a barbear-se usando aparelho descartável e um pequeno espelho apoiado sobre a mesma mureta. A mesma água imprópria e contaminada pela poluição  servirá para lavar o rosto e escovar os dentes. É um cenário triste da verdadeira degradação humana que retrata um ser humano tentando fazer higiene pessoal, usando água imprópria numa grande cidade da América do Sul.   Cena 2. São Paulo, Capital  –  O palco é a marquise do majestoso prédio da prefeitura municipal da maior cidade do país,  projetado em estilo fascista pelo arquiteto italiano Marcelo Piacentini, em 1.937 e construído pela família Matarazzo para ser a sede administrativa do então maior conglomerado de empresas da América do Sul. Naquela manhã fria de domingo de 04 de maio do ano 2008, um casal acabara de acordar sob a marquise do Paço Municipal envoltos em um cobertor surrado,  tendo como colchão uns retalhos de papelão. Primeiro o homem, aparentando não mais do que trinta e cinco anos, razoavelmente trajado, afastou-se poucos metros do grupo e enxaguou o rosto e os cabelos com a água que fez jorrar de uma garrafa tipo “pet”. Em seguida foi a vez de sua companheira. Mais jovem e igualmente, razoavelmente trajada, repetiu o gesto, porém, dando um cuidado maior ao cabelo que, emaranhado exigiu inúmeras escovadas. Quem do ônibus da excursão observou esta cena, provavelmente ficou perplexo ao ver um casal ainda jovem sujeitando-se a essa condição subumana tão deprimente. O que os levou a passar a noite fria, em companhia de tantos outros párias, sob a marquise do prédio que é a sede da prefeitura de São Paulo, certamente, nunca descobriremos. Cena 3. Catanduva – Aproximava-se das 19h00 do último domingo do mês de maio de 2014, de temperatura baixa, chuviscos intermitentes e céu carrancudo, que marcava o final de um  outono do ano em que ficará para a história pelo vexame da seleção na Copa do Mundo e eleições. Há pouco menos de uma hora o Corinthians voltou a decepcionar no segundo jogo teste no estádio “Itaquerão”, escolhido para abertura do campeonato mundial, diante de um bando de loucos de quase cinquenta mil pessoas. Dentro de minutos o relógio da Igreja Matriz de São Domingos iria sonorizar com sete badalos marcando o encerramento da missa das 18h00. Na padaria vazia na esquina da Rua Bahia com a Rua Maranhão, somente um atendente. Na bancada de pães, alguns poucos do tipo francês e meia dúzia de outros baguetes deixaram de ser comprados e, na estufa algumas empadas e, um ou outro salgado constituíam as sobras do dia. Dentro de minutos pães e salgados seriam doados a moradores de rua que seguramente iriam se garantir daquilo que seria o jantar de domingo. Em frente, sentado na soleira da porta e sob a marquise de uma loja de confecção feminina, um casal de sem teto troca carícias e beijos decentes. Num momento seguinte ela tira de uma mochila surrada um exemplar de capa preta envelhecida da bíblia que,  aberta ao acaso é lida em voz alta. O trecho fala das escolhas e dos caminhos que a vida nos apresenta. Em seguida, como evangélicos que dizem ser, começam a entoar um hino gospel e, até que ambos são afinados! Ele tem 34 anos, de nome Léo (nome foi alterado), branco de pele judiada, cabelos mal cuidados, mas aparados, está de bermuda azul, camiseta branca, moletom bege e nos pés um chinelo de dedos; ela, Nilda (nome foi alterado), 37 anos, mas que aparenta 45, um pouco mais morena, cabelos maltratados, pouco encaracolados, que parece terem sido oxigenados, traja igualmente bermuda, uma blusa meio surrada e também chinelo de dedos nos pés. Ambos de média estatura, mas não se apresentam maltrapilhos ou devendo banho. Léo, analfabeto procedente de Uchôa se diz recusado pela família após ter sido diagnosticado soro positivo. Diz que faz uso, duas vezes por dia, do medicamento fornecido pelo governo e sabe que a sua vida normal depende disso. Diz não fazer uso de drogas nem ser dependente de álcool e junto com a companheira se abriga em casas abandonadas onde passam a noite.   Afirma que é servente de pedreiro e está aguardando promessa de trabalho feita por um vereador a quem deverá voltar a se encontrar na próxima semana. Nilda, natural daqui mesmo, fez até o segundo ano do ensino fundamental, diz que se aliou ao companheiro por amor e se protege com preservativo para também não contrair a doença deste. Alguém lhes oferece misto quente preparado pela mesma padaria, acompanhado de refrigerante e brigadeirão de sobremesa. Acaba por oferecer também camisas para Léo, blusa e sapato para Nilda.  Meia hora depois, outro possivelmente sem teto, alto, empertigado, aparentando quarenta anos, se coloca na calçada oposta, em frente à padaria também aguardando receber as sobras do dia. O casal, agora alimentado, não se importa em dividir as sobras da padaria com o companheiro de auguras e destino incerto e até aparentam se conhecer. São 19h30, o atendente solitário que deve ser também o proprietário, baixa as portas da padaria, sem não antes, como faz todos os dias, entregar ao casal sem teto e ao andante solitário um saco plástico com pães e salgados que vão  garantir a alimentação da noite. Em poucos segundos a rua fica deserta e cada um toma rumo diferente – casal para um lado e homem solitário para outro. Se o emprego prometido pelo vereador tornou-se realidade, não se sabe, mas o pobre casal de sem teto nunca mais foi visto. O que diferencia o homem sem camisa de Santiago dos casais de São Paulo e Catanduva é a situação geográfica, as cidades em que vivem e certamente a história de vida de cada um. Conquanto, todos têm algo em comum: são belisários moradores de rua que vivem em  situação degradante,  alijados pela sorte e pelo infortúnio, mas, nem por isso perderam a dignidade e até mesmo a vaidade e, provavelmente, tampouco a esperança.

                                                                 Advogado tributário                                                                                www.buchadvocacia.com.br                                                                   buch@buchadvocacia.com.br

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