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O SEGREDO DO EBULIDOR


  21 de julho de 2015

O segredo do ebulidor    

                                                                  José Carlos Buch

No grande armazém, do tipo atacarejo, como hoje são conhecidos,  da Rua 7 de Setembro, de nº 62, onde atualmente funciona a São Geraldo Tintas,  trabalhavam várias pessoas. Além do patrão Elizeu, um gerente, sr. Silvio, pai do Ernestinho, um menino deficiente que tinha paralisia infantil,  várias funcionárias administrativas, Juraci, Edenir Apparecida, ___ Rita,   uma telefonista, Leonor,  pessoal de balcão,  sr. José(cunhado do patrão), Fernando e próprio gerente Silvio,  motoristas dos FNMs, Dedão, Prudêncio, Antonio e José,  que buscavam mercadorias e promoviam entregas, um encarregado do armazém,  carregadores, ______,  Albino, Natal(todos portugueses), um carroceiro para as entregas em domicílio, sr. Manoel, além de outros escondidos em algum canto da memória. O trabalho começava cedo, invariavelmente às sete horas e avançava à noite adentro, principalmente pelo pessoal do armazém na pesada tarefa de carregamento dos caminhões que teriam que sair de madrugada aos seus destinos. Eram sacos de farinha, açúcar, sal, fardos de fósforos pinheiro, papel higiênico, caixas de óleo de amendoim, milho e azeite, latas de vinte litros de  azeitonas, ervilhas, conservas,  bebidas, refrigerantes, água mineral em botelhas, etc. Não se comercializava arroz, feijão, milho pipoca e demais grãos,  que eram adquiridos a granel nas máquinas e mesmo nos armazéns e vendas espalhados pela cidade. Era o início da década de sessenta e o país dependia basicamente das exportações de café, cultura que dominava a nossa região e grande parte do estado e que exigia a presença de muitas famílias residindo no campo. A música coração de luto do compositor e cantor gaúcho Teixeirinha e, Banho de Lua,  com  Celly Campello,  dentre outras,  eram as mais executadas naquele ano de 1960. A TV Continental recém fundada  trouxe a inovação do videoteipe para televisão lembrando que, até então a programação era ao vivo, além de filmes e enlatados. Na inauguração de Brasília este recurso técnico, considerado revolucionário na época, foi utilizado. As famílias não tinham o hábito de comprar em supermercado que, praticamente, também não existiam,  de modo que os grandes armazéns vendiam mercadorias no atacado e varejo. A cidade contava com quatro grandes armazéns – Gonçalves Sé, Casa Matos, Dias Martins e Casa Elizeu Mardegan, esta última  funcionava na citada Rua 7 de Setembro, nº 62, sendo, talvez a maior da cidade, juntamente  com a Casa Dias Martins, cujo prédio de dois andares com placa de “aluga-se” existe até hoje em frente a Estação Cultura “Deca Ruette”(antiga estação rodoviária). Na casa Mardegam a movimentação de mercadorias era intensa e,  na pequena cozinha improvisada que ficava entre o escritório e o depósito, o Fernando que era conferente de cargas  preparava-se, como de costume,  para fazer o café da tarde. O ebulidor elétrico era uma novidade e não era barato, numa época em que os eletrodomésticos não iam além de geladeira, fogão, enceradeira elétrica e liquidificador. A curiosidade de um menino de dez anos que passava pelo local o levou a ligar o aparelho na tomada sem que houvesse água no seu interior. É claro que a resistência  de imediato  entrou em curto e o cheiro de queimado se espalhou por todo o ambiente. Todos ficaram sem café e a procura pelo autor da façanha ensejou mútuas acusações. O único insuspeito era o conferente Fernando e, logicamente,  aquele menino de dez anos que acompanhava o pai carroceiro. Com medo de represália nunca ele revelou-se ser o autor da arte, nem ao seu próprio pai que ainda hoje lembra-se da história, mas não da sua autoria. Muitos daqueles homens já morreram, inclusive o dono do estabelecimento Elizeu Mardegan, cada qual sem saber quem queimou o ebulidor e deixou todos sem café por um bom tempo. No ano de 1962 o Supermercado Serv-Lev,  que funcionava no térreo do prédio do Club dos 300, foi inaugurado dando inicio a uma nova era nos padrões de consumo que levou praticamente a dizimar os grandes e também os pequenos armazéns. Dos eletrodomésticos, o ebulidor talvez tenha sido um dos poucos que não evoluiu,  mantendo a sua formatação original. Se ligado sem, água fatalmente vai queimar como aconteceu em 1960, cuja história que era uma verdade secreta, deixou de ser secreta a partir de agora, para se tornar apenas uma verdade.                   

                                                                 advogado tributário                                                                                  www.buchadvocacia.com.br                                                                   buch@buchadvocacia.com.br

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