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A MENINA E A MAÇÃ


  30 de julho de 2015

A menina e a maçã

                                                                           José Carlos Buch

Naquela manhã o céu estava sombrio enquanto esperávamos ansiosamente. Todos os homens, mulheres e crianças do gueto judeu de Piotrkow na Polônia foram arrebanhados em uma praça. Espalhou-se a notícia de que estávamos sendo removidos. Meu pai havia falecido recentemente de tifo, que se alastrara através do gueto abarrotado. Meu maior medo era que nossa família fosse separada. – “O que quer que aconteça” Isidore, meu irmão mais velho, murmurou para mim, “não lhes diga a sua idade. Diga que tem dezesseis anos”. –  Eu era bem alto, para um menino de 11 anos, e assim poderia ser confundido. Um homem da SS aproximou-se, botas estalando nas pedras grossas do piso. Olhou-me de cima a baixo e perguntou minha idade. “Dezesseis”, eu disse. Ele mandou-me ir à esquerda, onde já estavam meus três irmãos e outros jovens saudáveis. Minha mãe foi levada para a direita com outras mulheres, crianças, doentes e velhos. Ela me amava tanto que, apenas esta única vez, ela fingiu não fazê-lo. Foi a última vez que a vi. Meus irmãos e eu fomos transportados em um vagão de gado até Buchenwald, na Alemanha. No dia seguinte recebemos uniformes e números de identificação. “Não me chamem mais de Herman”, eu disse aos meus irmãos. “Chamem-me 94938”. Colocaram-me para trabalhar no crematório do campo, carregando os mortos em um elevador manual. Logo meus irmãos e eu fomos mandados para Schlieben, um dos subcampos de Buchenwald, perto de Berlim. Numa manhã eu pensei que ouvi a voz de minha mãe dizendo –  “Vou mandar-lhe um anjo”. Poucos dias depois, estava sozinho perto da cerca de arame farpado, onde os guardas não podiam enxergar facilmente.  Do outro lado da cerca, eu observei alguém: uma pequena menina com suaves, quase luminosos cachinhos. Ela estava meio escondida atrás de uma bétula. Chamei-a suavemente em Alemão. –  “Você tem algo para comer?” Ela não entendeu. Aproximando-me Repeti a pergunta em Polonês. Ela se aproximou. Eu estava magro e raquítico, com farrapos envolvendo meus pés, mas a menina parecia não ter medo. Em seus olhos eu vi vida. Ela sacou uma maçã do seu casaco de lã e a jogou sobre a cerca. Agarrei a fruta e, assim que comecei a fugir, ouvi-a dizer debilmente, “”Virei vê-lo amanhã”. Voltei para o mesmo local, na cerca, na mesma hora, todos os dias. Ela estava sempre lá, com algo para eu comer – um naco de pão ou, melhor ainda, uma maçã. Nada sabia sobre ela, nem porque ela estava arriscando sua vida por mim. Cerca de sete meses após, meus irmãos e eu fomos abarrotados num vagão de carvão e enviados para o campo de Theresiensatdt, na Tchecoeslováquia. –  “Não volte”, eu disse para a menina naquele dia. – “Estamos partindo”. Permanecemos em Theresienstadt por três meses. A guerra estava diminuindo e as forças aliadas se aproximando, muito embora meu destino parecesse estar selado. No dia 10 de maio de 1945 eu estava destinado a morrer na câmara de gás, às 10h00. Pensei nos meus pais. Ao menos, pensei, nós estaremos nos reunindo. Mas, às 08h00  ocorreu uma comoção. Ouvi gritos, e vi pessoas correndo em todas as direções através do campo. Juntei-me aos meus irmãos. Tropas russas haviam liberado o campo! Os portões foram abertos. Todos estavam correndo, então eu corri também. Surpreendentemente, todos os meus irmãos haviam sobrevivido. Minha mãe havia prometido enviar-me um anjo, e o anjo apareceu. Eventualmente, encaminhei-me à Inglaterra, onde fui assistido pela Caridade Judaica. Fui colocado numa hospedaria com outros meninos que sobreviveram ao Holocausto e treinado em Eletrônica. Depois fui para os Estados Unidos, para onde meu irmão Sam já havia se mudado. Servi no Exército durante a Guerra da Coréia, e retornei a Nova Iorque, após dois anos. Por volta de agosto de 1957,  abri minha própria loja de consertos eletrônicos. Estava começando a estabelecer-me. Um dia, meu amigo Sid, da Inglaterra, me telefonou. – “Tenho um encontro. Ela tem uma amiga polonesa. Vamos sair juntos”. Um encontro às cegas? Não, isso não era para mim. Mas Sid continuou insistindo e, poucos dias após, nos dirigimos ao Bronx para buscar a pessoa do seu encontro e a sua amiga Roma. Roma era enfermeira em um hospital do Bronx. Ela era gentil e esperta. Bonita, também, com cabelos castanhos cacheados e olhos verdes amendoados que faiscavam com vida. Nós quatro nos dirigimos até Coney Island. Roma era uma pessoa com quem era fácil falar e fácil de se estar junto. Nós dois estávamos apenas fazendo um favor aos nossos amigos. Demos um passeio na beira da praia, gozando da brisa salgada do Atlântico, e depois jantamos perto da margem. Não poderia me lembrar de ter tido momentos melhores. Voltamos ao carro do Sid, Roma e eu dividimos o assento traseiro.  Ela puxou o assunto  –   “Onde você estava”, perguntou delicadamente, “durante a guerra?” –  “Nos campos de concentração”, eu disse. Ela concordou. “Minha família se escondeu numa fazenda na Alemanha, não longe de Berlim”, ela me disse. –  “Meu pai conhecia um padre, e ele nos deu papéis arianos.” – “Havia um campo perto da fazenda”, Roma continuou. – “Eu via um menino lá e lhe jogava maçãs todos os dias. Ele era alto, magro e faminto. Devo tê-lo visto a cada dia, durante seis meses.”  Meu coração estava aos pulos. Não podia acreditar. Isso não podia ser. – “Ele lhe disse, um dia, para você não voltar porque ele estava saindo de Schlieben?”. Roma me olhou estupefata. “Sim!”. “Era eu!”. Eu estava para explodir de alegria e susto, inundado com emoções. Não podia acreditar! Meu anjo. – “Não vou deixar você partir”, disse a Roma. E, na traseira do carro, nesse encontro às cegas, pedi-a em casamento. Não queria esperar. – “Você está louco!”, ela disse. Mas convidou-me para conhecer seus pais no jantar do Shabbat da semana seguinte. Naquele dia ela disse sim. E eu mantive a minha palavra. Após quase 50 anos de casamento, dois filhos e três netos, eu jamais a deixara partir. Nota: Esta é uma história verdadeira(resumida) e foi publicada por Herman Roseblat, de Miami. Vai ser transformada no filme  “A flor da cerca” (“Flower of the Fence” em inglês), que vale a pena esperar! Veja mais sobre a história e o filme no site www.atlanticoverseaspictures.com).  

                                                                 advogado tributário                                                                                  www.buchadvocacia.com.br                                                                   buch@buchadvocacia.com.br

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