A MAÇÃZINHA VERDE
A MAÇÃZINHA VERDE
José Carlos Buch
O menino pobre de calça de pernas curtas com suspensório e camisa de algodão cru, ambos confeccionados pela mãe, tinha menos de dez anos. Frequentava a escola e era um aluno dedicado, mas nunca chegou a ser uns dos primeiros da classe em nota. Até hoje lembra-se que, para se manter entre os dez primeiros, tinha que se esforçar muito, pois compensava a falta de genialidade e QI elevado que os outros possuíam, com o seu empenho e dedicação e, sempre foi assim. Ressalta que os mais inteligentes da classe inexplicavelmente não se tornaram bem sucedidos na vida profissional, fato que também se repetiu com os colegas da época do ginásio. Lamenta por isso e tirou uma conclusão que para ser bem sucedido na vida, nem sempre é preciso ser o primeiro da classe no ensino fundamental. Mais tarde, já na faculdade, teve a oportunidade de conhecer o sabor de ser uns dos primeiros da classe – antes tarde do que nunca, enfatiza! Morava a pouco mais de cinco quadras da casa do avô onde costumava ir, dia sim dia não, descalço empurrando um carrinho nada leve de madeira com rodas de aro de ferro, nas ruas sem asfalto e esburacadas, coletar restos de comida para alimentar os porcos que os pais precisavam engordar no fundo do quintal, para ajudar no orçamento doméstico. O avô, que viveu até os noventa e nove anos e seis meses, era um italiano de baixa estatura, educado e calmo da região da Calábria, que gostava de usar um paletó de linho bege e tinha o hábito de tomar um cálice de conhaque de alcatrão São João da Barra antes das refeições. Por trás da voz baixa e até suave, transmitia medo aos netos, para os quais nunca sorria ou dedicava a menor atenção, e não escondia sua preocupação em vigiar o pé de maçã verde que possuía no quintal da casa, principalmente do assédio desses mesmos netos que eram muitos, mas poucos frequentavam a sua casa. Era o final da década de cinquenta e naquela época a maçã importada da argentina, era privilégio dos mais abastados, assim como outras frutas mais incomuns. Menino pobre da periferia, quando muito conhecia frutas nativas que existiam no campo, goiaba, manga e melancia, inclusive, ou que eram possíveis de serem produzidas no quintal da casa, tipo mamão, banana, laranja, abacaxi, romã, etc.. Aquele pé de maça verde, curiosamente, chegava a produzir em certa época do ano pequenas frutas, não mais que do tamanho de um limão galego. Eram pequenas, mas eram maçãs raras e muito longe do alcance do menino pobre que passava pelo pé e cortejava poder um dia saborear, ainda que fosse uma, para conhecer o verdadeiro sabor de tão desejada, milenar e histórica fruta. Mas, como fazê-lo se o avô estava sempre atento e na espreita de flagrar quem ousasse colher uma fruta? Eis que finalmente, num descuido do vigilante, o dia chegou. Uma única frutinha foi colhida e guardada no bolso da calça de pernas curtas para depois ser saboreada às escondidas, sem que ninguém pudesse ver ou mesmo saber. Estava um pouco verde, é bem verdade, mas o suficiente para revelar ao menino o verdadeiro sabor da fruta proibida. Comer uma maçãzinha verde(nos dois sentidos), foi a realização de um sonho que poderia ter sido abreviado se o avô calabrês, sabendo do desejo do neto o tivesse realizado. É possível que isso até teria acontecido, mas o medo e o respeito que aquela figura patriarcal impunha e irradiava não permitia ao neto tímido e humilde ousar pedir para experimentar o verdadeiro sabor de uma maçãzinha verde. O tempo passou, na verdade mais de meio século, mas o sabor daquela frutinha, consistente e de acidez quase adocicada, permanece vivo e indelével até hoje, gravado na pureza da alma de um menino que, hoje avô, proporciona e transmite para os netos o que seguramente não aprendeu com o seu avô.
advogado tributário www.buchadvocacia.com.br buch@buchadvocacia.com.br