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  1 de novembro de 2018

A PRESTAÇÃO DE CONTAS DE GRACILIANO RAMOS (PARTE II)


A PRESTAÇÃO DE CONTAS DE GRACILIANO RAMOS

(Parte II)

                                                                  José Carlos Buch

Continuação da Prestação de Contas de Graciliano Ramos, enquanto prefeito,  por dois anos(abril/1928 a abril/1930),  de Palmeira dos Índios (AL).

TERRAPLENO DA LAGOA:

O espaço que separa a cidade do bairro da Lagoa era uma coelheira imensa, um vasto acampamento de tatus, qualquer coisa deste gênero.

(…)

Durante meses mataram-me o bicho de ouvido com reclamações de toda ordem contra o abandono em que deixava a melhor estrada para a cidade. Chegaram lá pedreiros – outras reclamações surgiram, porque as obras irão custar um horror de contos de réis, dizem.

Custarão alguns, provavelmente. Não tanto quanto as pirâmides do Egito, contudo. O que a Prefeitura arrecada basta para que nos não resignemos às modestas tarefas de varrer as ruas e matar cachorros.

Até agora as despesas com os serviços da lagoa sobem a 14:418$627.

Convenho em que o dinheiro do povo poderia ser mais útil se estive nas mãos, ou nos bolsos, de outro menos incompetente do que eu; em todo caso, transformando-o em pedra, cal, cimento, etc., sempre procedo melhor que se distribuir com os meus parentes, que necessitam, coitados.

DINHEIRO EXISTENTE:

Deduzindo-se da receita a despesa e acrescentando-se 105$865 que a administração passada me deixou, verifica-se um saldo de 11:044$947.

40$897 estão em caixa e 11:044$050 depositados no Banco Popular e Agrícola de Palmeira. O Conselho autorizou-me a fazer o depósito.

Devo dizer que não pertenço ao banco nem tenho lá interesse de nenhuma espécie.

A prefeitura ganhou: livrou-se de um tesoureiro, que apenas servia para assinar as folhas e embolsar o ordenado, pois no interior os tesoureiros não fazem outra coisa, e teve 615$050 de juros. (…)

LEIS MUNICIPAIS:

Em janeiro do ano passado não achei no Município nada que se parecesse com lei, fora as que haviam na tradição oral, anacrônicas, do tempo das candeias de azeite.

Constava a existência de um código municipal, coisa inatingível e obscura. Procurei, rebusquei, esquadrinhei, estive quase a recorrer ao espiritismo, convenci-me de que o código era uma espécie de lobisomem.

Afinal, em fevereiro, o secretário descobriu-o entre papéis do Império (…). Encontrei no folheto algumas leis, aliás, muito bem redigidas, e muito sebo. Com elas e com outras que nos dá a Divina Providência consegui aguentar-me, até que o Conselho, em agosto, votou o código atual.

MULTAS:

Arrecadei mais de dois contos de réis de multas. Isto prova que as coisas não vão bem.

E não se esmerilharam contravenções. Pequeninas irregularidades passam despercebidas. As infrações que produziram soma considerável para um orçamento exíguo referem-se a prejuízos individuais e foram denunciadas pelas pessoas ofendidas, de ordinário gente miúda, habituada a sofrer a opressão dos que vão trepando.

Esforcei-me por não cometer injustiças. Isto não obstante, atiraram as multas contra mim como arma política. Com inabilidade infantil, de resto. Se eu deixasse em paz o proprietário que abre as cercas de um desgraçado agricultor e lhe transforma em pasto a lavoura, devia enforcar-me.

Sei bem que antigamente os agentes municipais eram zarolhos. Quando um infeliz se cansava de mendigar o que lhe pertencia, tomava uma resolução heróica; encomendava-se a Deus e ia à capital. E os Prefeitos achavam razoável que os contraventores fossem punidos pelo Sr. Secretário do Interior, por intermédio da polícia.

CONCLUSÃO:

Procurei sempre os caminhos mais curtos. Nas estradas que se abriram só há curvas onde as retas foram inteiramente impossíveis.

Evitei emaranhar-me em teias de aranha.

Certos indivíduos, não sei por que, imaginam que devem ser consultados; outros se julgam autoridade bastante para dizer aos contribuintes que não paguem os impostos.

Não me entendi com esses.

Há quem ache tudo ruim, e ria constrangidamente, e escreva cartas anônimas, e adoeça, e se morda por não ver a infalível maroteirazinha, a abençoada canalhice, preciosa para quem a pratica, mais preciosa ainda para os que dela se servem com assunto invariável; há quem não compreenda que um ato administrativo seja isento de lucro pessoal; há até quem pretenda embaraçar-me em coisa tão simples como mandar quebrar as pedras do caminhos.

Fechei os ouvidos, deixei gritarem, arrecadei 1:325$500 de multas.

Não favoreci ninguém. Devo ter cometido numerosos disparates. Todos os meus erros, porém, foram da inteligência, que é fraca.

Perdi vários amigos, ou indivíduos que possam ter semelhante nome.

Não me fizeram falta.

Há descontentamento. Se a minha estada na Prefeitura por estes dois anos dependesse de um plebiscito, talvez eu não obtivesse dez votos. Paz e prosperidade.

Palmeira dos Índios, 10 de janeiro de 1929.

Graciliano Ramos”.

A crise financeira de 1.929 que abalou inclusive os negócios da família, aliada à pressão politica dos que não se conformavam com a honestidade e transparência adotada na Prefeitura, levou-o a renunciar ao cargo na metade do seu mandato. Antes de fazê-lo, pontuou:  “Para os cargos de administração municipal escolhem de preferência os imbecis e os gatunos.  Eu, que não sou gatuno, que tenho na cabeça uns parafusos de menos, mas não sou imbecil, não dou para o ofício e qualquer dia renuncio.”

Como sugeriu um dia Arnaldo Branco em pontual comentário,  –  “Se existisse vestibular pra Político, obrigaria os caras a decorar  o relatório que o Graciliano Ramos fez como prefeito”.

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