CONTO DE NATAL INESQUECÍVEL
CONTO DE NATAL INESQUECÍVEL
José Carlos Buch
Esta vida é uma estranha hospedaria,
de onde se parte quase sempre às tontas,
pois nunca as nossas malas estão prontas,
e a nossa conta nunca está em dia.
Mário Quintana(1906 – 1994)
Tenho por hábito, ou mania, não sei ao certo, de recortar artigos de jornais e revistas que me são caros. Meus arquivos albergam textos interessantes de mais de três décadas. Volta e meia me vejo relendo esses escritos, apesar dos ácaros que insistem em agredir a minha rinite alérgica. Mas vale a pena! Pois bem, no final da década de setenta li, um conto na “Revista Seleções” extraído da vida real, que até hoje o mantenho indelével em minha memória, sobretudo, quando se avizinha o Natal. Não é preciso dizer que neste caso não recortei o inesquecível artigo e, apesar de dar busca junto a editora da revista “Redear’s Digest”, também não consegui êxito. Assim, usando dos fragmentos guardados em algum canto da minha memória tentarei reescrever o conto, ressalvando, logicamente a involuntária omissão por eventuais detalhes.
Era uma noite de inverno do ano de 1.944 num país da Europa beligerante. As forças aliadas avançavam retomando territórios antes conquistados pelos nazistas. Nesse cenário sombrio, apenas dois personagens: – um capelão e um soldado inglês – únicos sobreviventes dos combates que haviam sido travados ao entardecer, aguardavam entrincheirados o amanhecer para se juntarem ao que restou do batalhão, se é que sobreviventes haviam. Aproximava-se da meia noite e no horizonte, o clarão das bombas e da artilharia iluminavam funestamente o céu, tornando reluzente e prateado o tope das montanhas envoltas em neve. Estava muito frio na trincheira e o capelão lembrou-se então que era noite de Natal e que durante toda a sua vida eclesiástica de muitos anos jamais deixara de celebrar a Santa Missa nesse dia. Lembrou-se também que Jesus dissera que, quando duas ou mais pessoas reunidas estivessem em seu nome, Ele presente estaria. Foi então que tomou a iniciativa de celebrar a Santa Missa para o menos infortunado e único sobrevivente. Não dispondo dos mínimos recursos, fez do barranco da trincheira, outrora utilizado pelos soldados para alvejarem o inimigo, o altar e nele estendeu, como tolha, o saco de dormir sobre o qual afixou o inseparável crucifixo que o acompanhava desde a ordenação. O pequeno e surrado evangelho de bolso fez as vezes da leitura sagrada. Do cantil retirou a água que, após derramada na pequena e amassada caneca de campanha, simbolizaria o vinho na taça e, da mochila restos de pão duro, parte da parca ração insuficiente para mais um dia, que seriam abençoados durante a consagração. E assim, tendo como participe e testemunha um único sobrevivente, celebrou com ele, comungando de um momento mágico, aquela que seria a mais importante celebração de Natal que se tem notícia da segunda guerra mundial. Não me lembro e não sei ao certo o destino dos protagonistas dessa história, após a inesquecível missa de Natal. Contudo, tenho certeza que um sobreviveu, não fosse assim, esse Conto de Natal não poderia ser escrito.
Um Santo e Feliz Natal a todos.
(A história original foi publicada na Revista Seleções no final dos anos setenta ou começo dos anos oitenta. Sua localização seria de grande valia para o arquivo do colunista).
advogado tributário
colaborador do Notícia da Manhã
www.buchadvocacia.com.br