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MARGARIDA – UM SER HUMANDO (DE) ENCANTADO


  23 de maio de 2011

MARGARIDA – UM SER HUMANDO (DE) ENCANTADO

                                                                 José Carlos Buch

No lugar existia uma roda d´água que movia as máquinas da serraria e ferraria onde se fabricavam carroças, charretes e outros utensílios de uso na roça. Muitos viviam da serraria e, outros dela dependiam para o seu trabalho no campo que absorvia a grande maioria dos que lá habitavam, inclusive os irmãos da protagonista da nossa história, que eram muitos, quase um time de futebol. Tal como a roda d´água que impulsiona máquinas, as pessoas são impulsionadas a escrever a sua enciclopédia, que é mais do que um livro,  para um dia ser consultada na biblioteca virtual da vida. E, feliz daqueles que constroem essa enciclopédia na qual  possam  ser encartados vários prefácios, que é o que se pretende com este modesto artigo. A protagonista, nasceu na pequena vila de Relvado, que sequer energia elétrica possuía,  no também pequeno município de  Encantado, na região montanhosa do Rio Grande do Sul, distante 100 kilometros de Bento Gonçalves. Deixou um trabalho administrativo no Hospital das Clinicas de Porto Alegre para se aventurar, em novembro de 1976,  juntamente com a irmã Redentina Angela, o amigo Geraldo e sobrinho deste Moacir Gabriel,  no ramo de lanchonete e restaurante de beira estrada em Muriaé, na zona da Mata de Minas Gerais. Trazidos pelas mãos do mesmo corretor, aportaram em Catanduva no inicio de 1978 assumindo a então Lanchonete e Churrascaria dos Pampas, na Rua Brasil, nº 80, no prédio do Hotel Presidente, onde começou a escrever a sua história de sucesso entre nós. A tarefa inicial consistiu em transformar a inexpressiva lanchonete numa verdadeira churrascaria capaz de convencer os catanduvenses que, a partir de então,  não era mais preciso se dirigir até o Posto Farropilha, na Rod. Washington Luiz(próximo ao trevo de Ibirá) ou mesmo se deslocar até Rio Preto para se fartar num genuíno rodízio gaúcho.  Aos poucos o restaurante batizado com o novo nome de “Churrascão dos Gaúchos” ganhou a preferência do público e se notabilizou por oferecer uma pista de frios(patê de grão de bico, também conhecido como homus, inclusive), e pista de pratos quentes, onde não faltava a tradicional polenta frita,  além do carro chefe que consistia no verdadeiro  rodízio à moda gaúcha,  servido na mesa.  Após sete anos  de sucesso e ser considerada referência como churrascaria, surge o imponderável. Corria o mês de fevereiro do ano de 1983 e, as chuvas torrenciais, como já eram contumazes, fizeram o rio São Domingos transbordar provocando talvez a maior enchente até então registrada,  com a água invadindo  toda a baixada transformando num verdadeiro lago a faixa que vai da Rua Paraíba até a porta do restaurante “A Cabana”. Os jornais “O Regional” e “A Cidade” no dia seguinte traziam como manchete de primeira página  fotos ilustrativas  da extensão da inundação flagrando  crianças inocentemente  brincando na água suja, sem saber dos riscos de doenças a que estavam sujeitas. Como nas vezes anteriores, tudo foi muito rápido e os lojistas da região ribeirinha mal tiveram tempo de salvar suas mercadorias. Como sempre, alguns diziam que a barragem do açude da Usina Colombo havia se rompido e outros acreditavam que um tromba d´água havia caído sobre Santa Adélia. A realidade, contudo, é que à época não existiam  barragens de contenção logo abaixo da divisa com Pindorama  e a calha do rio, totalmente assoreada,  contribuíam em muito para as freqüentes enchentes. As águas implacavelmente invadiram a churrascaria trazendo muita lama e prejuízos irreparáveis. Tudo foi avariado: produtos congelados,  freezers, geladeira, balcão de frios, mesas, toalhas,  cadeiras que eram de madeiras e empalhadas, salvando-se apenas os talheres, utensílios de alumínio e alguns pratos. A enchente impiedosamente levou tudo, mas não conseguiu carregar nas suas águas barrentas, a esperança, a determinação para o recomeço e a vontade de superação. Assim,  Margarida Therezinha Pavan, seu verdadeiro nome,  com os sócios Redentina Angela(irmã), Geraldo e os sobrinhos  extraíram  o positivo do negativo, jogando o resto no lixo  e recomeçaram do nada, como um dia haviam se  aventurado na atividade, na distante Muriaé no ano de 1976. A enchente foi tão devastadora que não havia como continuar no mesmo local. Quando poucos acreditavam ser possível, a churrascaria voltou a funcionar no terceiro andar do Club dos 300, no coração da cidade, cujo prédio à época já dava sinal de decadência. Ali Margarida recobrou as forças de que precisava para, um ano depois, em fevereiro de 1984,  se fixar definitivamente na cidade vindo a adquirir o prédio do restaurante “Les Alpes”, na marginal da Rodovia Washington Luiz,  que havia sido construído pelo suiço Lambert(genro do inesquecível Ivo Gradela) para ser uma casa de chá ao estilo do seu país, que sequer chegou a funcionar. No novo prédio reinou absoluta à frente da melhor churrascaria rodízio da região. A cozinha era impecável e a carne insuperável como é servida até hoje no restaurante “Colossos” do  Moacir Gabriel que herdou a tradição e  o “know how” do jeito gaúcho de servir um bom churrasco.  Mas a mulher guerreira era muito mais do que isso. A vida dura no pequeno povoado de Relvado, aliado ao fato de ser uma mulher determinada –“pau pra qualquer obra” –,  não lhe conseguiram tirar  a delicadeza no trato com as pessoas, a simpatia em receber calorosamente a todos e o carisma que a fazia uma pessoa singularmente fascinante. Transbordava fidalguia e fazia questão de saber como estavam passando todos da família, sem nunca deixar de lembrar  — da próxima vez traga o filho …., a filha ….,  a mãe ….., enfim pessoas que faziam parte da família e que ela os conhecia. Todos eram recebidos pessoalmente por ela que fazia questão também de fechar a conta na frente do cliente, anotando um pequeno bloco o valor, sempre inferior ao da tabela  e acreditava no número de chopp e das demais bebidas consumidas informadas pelos clientes.  Já doente, teve que se desfazer do prédio e do restaurante no ano de 1997,  para retornar a Porto Alegre, onde faleceu em 22 de abril de 1999, vitima de câncer, próximo de completar 60 anos de idade. Se viva estivesse, completaria 72 anos no dia 24 de julho,  aniversário que certamente irá comemorar  nos campos do Senhor com  aqueles que também para lá se foram e que um dia, tiveram o regozijo de compartilhar da sua amizade e da sua cordialidade em nossa cidade. Mulher guerreira, tida como “pé de boi”, deixou como legado, além de incontáveis exemplos e lições  de vida,  inúmeros profissionais, considerados “sobrinhos” que se especializaram no melhor churrasco e hoje, estabelecidos continuam a servir a cidade, dentre eles: Moacir Gabriel(restaurante Colossos); Norberto(Grill 111); Ricardo(Recanto Gaúcho); Edson(Churrascaria Marília); Ed Lanches(Av. Palmares) e Tozzo(churrascaria do mesmo nome, na Praça da Catedral).    Esta singela coluna seguramente está fazendo o que os nossos políticos da época deveriam ter feito, ou seja, prestar homenagem a uma mulher que, encantada de nascimento, adotou a nossa cidade por quase 20 anos como se dela fosse, sempre semeando simpatia, forjando profissionais, construindo sonhos, legando exemplo de determinação, perseverança e trabalho. E fica aqui um registro — Ainda é tempo de reparar a omissão perpetuando o seu nome numa rua ou logradouro público.  A Margarida nem sempre lembrada mas que, muitos sentem saudade,  era um ser humano notável que certamente tinha Deus no coração, via o mundo com otimismo, a família como um bem maior e as pessoas com doçura. A roda d´água não mais existe no hoje município de Relvado, a não ser na memória daqueles que lá nasceram,  tal como a Margarida que mora na saudade e na lembrança dos que tiveram o privilégio e a alegria de um dia ter desfrutado da sua amizade.               

                                                      advogado tributário

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