ANO NOVO ANTES DA REPRESSÃO
ANO NOVO ANTES DA REPRESSÃO
José Carlos Buch
O Natal já deixara saudade mas, as esperanças renasciam com a chegada do ano novo de 1964 que, fiel também à tradição, levava as crianças, logo nas primeiras horas da manhã, a bater de porta em porta pedindo “bom princípio”. Uns recebiam balas, nem sempre bem-vindas, já que na verdade buscavam alguns trocados. As crianças que moravam no bairro São Francisco, formavam fila, sob os olhos sempre atentos do Zicão, a partir das 9:00 horas da manhã, em frente ao escritório do Comendador Pedro Monteleone, na esquina da rua XV de Novembro com Porto Alegre, para receber pessoalmente das mãos dele cumprimentos de “feliz ano novo” e uma nota de “cruzeiro” estalando de nova. Era bom de se ver a alegria estampada no rosto do generoso homem que, sentado no segundo degrau da porta de entrada do escritório, fazia questão de receber, um a um os pequeninos, na sua quase totalidade meninos pobres que moravam nas imediações e bairros adjacentes. O entretenimento daqueles meninos não ia além das brincadeiras de salva pega, nadar no poção, jogar pelada em pleno sol a pino e, aos sábados à noite, assistir filme do Gim da Silva e Tarzan, no precário cinema que funcionava onde hoje é o salão de festa da Igreja de São Francisco. Os menos pobres podiam assistir filmes melhores nos cines Central, República, Bandeirantes e Tropical(o mais chic da cidade) ou mesmo televisão. A TV Tupi – canal 4(a mais assistida na cidade), apresentava aos sábados, entre 20:00 e 21:00 horas, o imperdível seriado Bonanza. Nesse ano de 1963, Silvio Santos, então modesto radialista, recebia de graça das mãos de Manoel da Nobre a BF – Baú da Felicidade Utilidades Domésticas e Brinquedos, uma empresa quebrada que, após recuperada tornar-se-ia ícone e a principal fonte do conglomerado de empresas criadas pelo apresentador. Na TV Excelsior não havia como deixar de assistir, todas quintas feiras a partir das 20:30 horas, o programa Moacyr Franco Show, cuja maior atração era o então garoto prodígio “Guto”, filho do cantor/apresentador. O ano estava prestes a terminar e o mundo ainda não tinha superado o trauma do lamentável episódio do assassinato do Presidente John F. Kennedy, em Dalas, no Texas, em 22 de novembro. No Brasil os cânticos de Natal cediam lugar para musicas de carnaval, principalmente a “Cabeleira do Zezé”, composta por Roberto Kelly na voz de Jorge Goulart, que se constituiria no maior sucesso nos festejos de momo em 1964. Desse modo, no revellion daquele ano, ao desejar votos de feliz 1964, mal sabiam os brasileiros o que os aguardava e, tampouco, os adolescentes da época sequer imaginavam que teriam que conviver toda a sua juventude governados por regime de caça às bruxas que os privaria da liberdade, da livre expressão e de qualquer tipo de manifestação, inclusive o direito de votar, por longos 21 anos. A censura imperava na imprensa que, não raras vezes, ocupava com poemas e receitas de bolos os espaços cujas matérias a eles destinadas haviam sido censuradas. Nos meios acadêmicos todos eram fichados: professores, diretores e até mesmo os alunos dirigentes de Centros Acadêmicos, caso específico deste colunista. O regime militar aqui instalado, infelizmente, fez escola e serviu de modelo para outros países da América Latina(Bolívia 1971/1985, Chile 1973/1989, Venezuela 1973/1984 e Argentina 1976/1983). Historicamente o Brasil se tornou exportador da repressão. Transcorridos 47 anos, encerrando o ano, nunca é demais desejar a você leitor, votos de feliz 2011, sem privação e sem medo de ser feliz, mas tendo como governante mor um dos prodígios daquela revolução. Afinal, como dizia o filósofo francês Joseph De Maistre(1753-1821) “cada povo tem o(a) governante que merece”.
advogado tributário
www.buchadvocacia.com.br
buch@buchadvocacia.com.br