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O “FIRME” E O ANALFABETO


  31 de dezembro de 1969

O “FIRME” E O ANALFABETO                                                                  
José Carlos Buch

Quem conheceu  Cid Castilho pode desfrutar das suas qualidades de rábula, redator impecável,  oficial de cartório, conhecedor profundo de literatura brasileira e, sobretudo, um exímio contador de causos. A história que vou tentar reproduzir abaixo que, segundo ele se dizia  verdadeira, foi por muitos ouvida inúmeras vezes. Em todas as oportunidades em que era contada, não havia como não rir, não só pela interpretação do Cid mas, também, pela riqueza de detalhes. Resgatar esse causo, alterando, logicamente, os nomes para preservar a identidade dos protagonistas, é uma forma de reverenciar a memória do Cid. Contava ele que num domingo à tarde estava  num sítio próximo à cidade de Pindorama vendo o proprietário, seu amigo, lidar com um porco que havia sido abatido para consumo. Nisso estava chegando o Zé da bota, um peão que trabalhava no sítio e que era literalmente analfabeto, mas que não perdia a sessão vespertina do cinema de Pindorama. Como analfabeto, ele interpretava o filme tal como sua cognição permitia e, é claro adaptando a história ao seu pequeno mundo da roça. Tentarei reproduzir o diálogo tal como o Cid o fazia com tanta maestria. — E então Zé, tá voltando do cinema? “— Óia aqui seo Antonio,  mais qui fita boa que eu vi em Pindurama e, bota boa nisso! — Conta então Zé  a história da fita que você assistiu. — Bem seu Antonio,  começô o firme com o mocinho de chapéu, roupa chic de pião e um trinta e oito de cabo de osso  na cinta,  chegando na cidadinha de rua de chão batido e rolos de capim margoso secos arrastado pelo vento, montado no “Pingo”, com uma reata de enchê o zóio. Aí ele amarrô as rédea do Pingo num palanquinho na frente do Bradesco e entrou num bar destes que tem a porta de duas fôia que vai e vem. Chegando no barcão  chamou o garção  e pediu uma pinga. Nisso se aproximou uma das  muhézinhas dançarinas e o mocinho se engraçô com ela e ofereceu uma pinga pra ela também. Isso despertou o ciúme de uns caras mitidinhos e mal  encarados, todos de chapéu e coletinho xadrez, que estava bebendo pinga e jogando truco numa mesa perto dali. Ai seo Antonio tudo mundo viu que o mocinho se engraçô com a muhézinha e ela correpondeo mais ele. Mais o mocinho não sabia que a muézinha era namorada de um daqueles bandidos. Vai daí que começou um forrobodó. O mocinho foi xingado e partiu pra briga, mas nisso os cumpanheiros vendo que o amigo tava apanhado se doeram e entraram no rolo, então ficou quatro contra um. Óia, era cadeira pra tudo lado, foi quando o mocinho viu que num dava pra ele não, então ele sartou na janela quebrando todos vidros e rapidinho montou no “Pingo” que saiu na toda e a galope. Mas os bandidos não deram mole e começaram a pirsiguir o mocinho, num pega pra capá que levantou poeirão. E foi assim um bom tempo, o mocinho na frente e os bandidos atrás, mas o que eles não sabiam é que o mocinho conhecia um ataio e por esse ataio ele chegou até o outro lado do rio que foi o que sarvô ele de ser pego, porque os cavalos dos bandidos refugô e não travessaram o rio. Do outro lado do rio o mocinho dando uma banana pros bandidos falou — aqui por ceis óh.  E   assim terminou a fita.”  Como se vê, a imaginação do Zé da bota, não estava muito divorciada do enredo do filme. Cada um vê as coisas de acordo com a sua capacidade de cognição e, como profetizou Leonardo Boff  “Todo ponto de vista é a vista de um ponto”.

advogado tributário

www.buchadvocacia.com.br   colaborador do Notícia da Manhã

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