O REPÓRTER E O MENINO POBRE
O REPÓRTER E O MENINO POBRE
José Carlos Buch
O espaço ocupado por esta coluna tem sido usado para contar histórias(algumas interessantes, outras nem tanto!), reproduzir fatos e casos importantes que muitas vezes viralizam nas redes sociais e, principalmente, homenagear pessoas. Muitas histórias talvez conseguiram comover e sensibilizar os leitores, mas antes, com certeza, emocionaram em muito o colunista. Hoje não será diferente com a história que será contada. Diz respeito a uma matéria que foi mostrada no Jornal Nacional, salvo engano, em meados dos anos oitenta ou noventa, portanto, há mais de 30 anos. O repórter de rosto cheio, olhar de complacência, discretamente moreno com atenuado e aparado cavanhaque com aproximadamente 30 anos, cuja imagem permanece viva até hoje, fez uma reportagem onde a miséria era o pano de fundo e o protagonista, um menino com sonho de ser vaqueiro. Naquela época muito se falava da seca do nordeste(mais do que hoje), da pobreza e das mazelas que grassavam as famílias que viviam em meio à caatinga e no agreste. Essa matéria em particular mostrava, como era comum na região e ainda é, um casa de taipa, isolada e no meio do nada, de piso de chão batido e a família que lá morava. A mulher de pouco mais de trinta e poucos anos, mas aparentando ser muito mais velha, pra variar tinha uma meia dúzia de filhos, uma verdadeira escadinha, como é comum na aridez daquelas bandas. O marido não foi mostrado, talvez porque estava em outro lugar ou mesmo por ter abandonado a família, fato também muito comum naquele pedaço de chão esquecido do Brasil. No entorno da casa, tudo seco num cenário de dar dó e, o céu sem uma única nuvem, revelando que a chuva naquela região só existia na esperança das romarias e das novenas. Após mostrar o interior da casa, com o fogão de lenha e panelas vazias, aonde o cardápio, na maioria das vezes não ia além de farinha de mandioca com um bocadinho de arroz e uns minguados grãos de feijão, demonstrando a verdadeira e triste realidade da pobreza daqueles desassistidos e abandonados à própria sorte, o repórter focou na figura de um menino de calça curta e camisa puída e descalço, que aparentava ter 6 ou 7 anos e brincava sozinho no quintal ao lado da janela da casa. Sem dispor de um único brinquedo, o menino demarcou um cercadinho de gravetos no chão com um diâmetro de aproximadamente 60 centímetros e ali, sentado, brincava de ser dono de muitas vaquinhas. O diálogo a seguir é uma tentativa de reprodução do que a reportagem mostrou. Repórter: – Esta é sua fazenda? Menino: – Sim. – O que você planta nela? – Nada, porque aqui não chove. – E o que são essas pedrinhas?(dentro do cercado havia inúmeras pedras de vários tamanhos, tipo pedregulho) – São os meus boizinhos e minhas vaquinhas. – E tem faltado água pro seus bichinhos? – Falta não. – E comida? – Falta não. –Eles tem nomes? – Essa aqui é a maiada, tá vendo aquela? é a pretinha, esta outra é a nina, este bezerrinho é filho da nina e aquele ali é o brabinho(referindo à pedra que representava o touro). – Você gosta de brincar com eles? – Sim(a imagem mostrava o menino movendo as pedras como se tivesse direcionando a boiada, tendo à frente uma pedra maior que ele considerava como o boi do rebanho). – Você ajuda a sua mãe? – Sim, vou com minha irmã mais velha buscar água no barreiro pra nóis bebê. – É longe esse barreiro? – Sim, mas tá quase sem água e muito suja(a reportagem havia mostrado a imagem de recipiente na cozinha com água turva que a família usava pra beber e cozinhar). – Você vai à escola? – Não, aqui não tem escola não. – E seus irmãos. – Também não. – Você tem amigos. – Só meus irmãos. – Você sente falta de amigos? – Tenho meus boizinhos e meus irmãos. – Papai Noel já passou aqui alguma vez? – Não. – Você gostaria que ele viesse? – Sim, mas minha mãe disse que ele não consegue levar presente pras crianças que moram longe, porque ele está muito velhinho e o jegue dele também. – O que você gostaria de ser quando crescer? – Vaqueiro, pra cuidar dos bois de verdade. O menino não tirou os olhos do cercadinho movendo suas “vaquinhas” pra lá e pra cá durante o diálogo. O repórter, por sua vez, permaneceu de cócoras durante todo o tempo da entrevista e, ao final com lágrimas nos olhos olhou para a câmera e arrematou: Num lugar em que falta tudo desde água e comida, pra não dizer o mínimo necessário e onde a miséria é absoluta, não falta a imaginação de uma criança e nem a esperança de um dia ser vaqueiro. Muito tempo depois de a reportagem ir ao ar, salvo engano, o repórter, ainda jovem, morreu vítima de acidente, mas a emoção por ele transmitida foi um marco na história da televisão, pelo menos pra quem teve o privilégio de assistir a matéria. Com alguém disse um dia – “Para aqueles que têm fome, Deus aparece como alimento.”
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