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OS MASCATES


  11 de maio de 2012

OS MASCATES

                                                                 José Carlos Buch

Não faz muito tempo,  grande parte da população brasileira vivia na área rural, de estradas empoeirentas e dificuldades de acesso. As poucas vias que existiam eram  de chão batido, precárias, mal conservadas,  vulneráveis e intransitáveis à menor chuva. As fazendas contavam com extensas colônias habitadas por famílias numerosas que viviam de explorar a terra no regime de parceria.  Nas periferias se fixavam àqueles que não moravam nas fazendas, mas, para lá diariamente iam  buscar o sustento da família, empoleirados em caminhões e que pertenciam à classe dos chamados “bóias frias”.  Na verdade, não havia muita diferença, já que todos eram verdadeiros “bóias frias” – uns da cidade e outros do campo. Para atender essa classe que,  praticamente hoje não mais existe ou se constitui  minoria nas cidades do interior,  existiam os mascates, que eram os mercadores ambulantes e vendedores de “porta a porta”. Também chamados de “turcos da prestação”,  aportavam no interior vindos da Palestina, Líbano ou Síria,  decididos a fazer fortuna na terra estrangeira e retornar ao seu país de origem. Em suas valises,  a última moda em  roupas, calçados, bolsas, cintos,  meias, lenços,  as novidades em acessórios perfumes, loções, as peças de uso doméstico, enfim a realização do sonho de consumo do povo da roça. E mais, tudo comercializado em confiança, à prazo, sem qualquer documento, sem cadastro, sem ficha de aprovação de crédito, sem avalista, sem cheque pré, enfim, valia o que estava escrito na velha caderneta. Para a roupa que encolhia ou desbotava, o melhor Código de Defesa do Consumidor era a garantia do fornecedor que oferecia a opção de escolher outra peça no lugar ou mesmo o desconto do valor na caderneta e, até mesmo a devolução do dinheiro eventualmente pago. Tudo muito simples, prático e objetivo. Dos que aqui aportaram, muitos acabaram constituindo família e se  fixaram  na região do mercado municipal com os seus estabelecimentos “lujinhas” que,  praticamente comercializam os mesmos produtos. Em outros tempos, a “lujinha” chegava à casa das pessoas em grandes e sortidas valises, em Jeeps,  lombos de burros, charretes, em táxi ou pé de breque.  Hoje o modus operandi  se inverteu, pois as pessoas precisam ir à “lujinha”, mas o tratamento continua o mesmo,  ou seja,   ainda impera a confiança.  Fuad Bauab, que era uma verdadeira enciclopédia em se tratando da história da cidade, costumava dizer que uma das características do árabe se constituía no fato de ser amistoso, receptivo  e  anfitrião para com os visitantes, além de aceitar com alegria o casamento dos filhos com brasileiras. Sua nora e genro são a maior testemunha disso. Um dos remanescentes dos mascates daquela época é o sr. Muhammad,  hoje com 80 anos e que desistiu da profissão de professor na Palestina e aqui chegou em 1958, quando contava com 27 anos de idade. Proprietário da “Bazar Atalena”, que existe no Box 82/83, no Mercado Municipal desde a década de setenta, a “lujinha”  hoje administrada pelo seu filho do mesmo nome. Na época de mascate,  ele dividia as despesas do Jeep com o amigo e patrício Musafahni e ambos vendiam roupas, tecidos e artigos de cama, mesa e banho,  que eram adquiridos em São Paulo, nas ruas Oriente, José Paulino e 25 de Março, em lojas de patrícios palestinos, árabes e judeus.  Na mesma atividade, lembra-se do também Palestino Abderharm Baker e do libanês Kasser(falecido). Outro imigrante que por muito tempo exerceu esse ofício é o sr. Abdel Jader Abdulah M. Natour, com 91 anos,  que chegou em nossa cidade no ano de 1953 com um grupo de  compatriotas vindos também da Palestina e todos, inicialmente,  moravam no Hotel Cacique na rua Pernambuco no mesmo local onde foi construído o prédio da Policlínica e que, anos depois,  deu origem ao Hospital São Domingos. Depois de mais de vinte anos, sr. Abdel, também se estabeleceu no Mercado Municipal com o “Bazar Nova Esperança”.  Além desses grupos, ainda existiam os mascates que não pertenciam a nenhuma dessas etnias, como o sr. Jaime que, portador de um defeito físico numa das pernas, visitava as casas conduzido por charrete e ainda o sr. Bertim que, usando uma bicicleta,  adquiria  tecidos do Alberto da Casa Chic  e tinha como clientela as chamadas “mulheres de vida fácil”, que viviam praticamente confinadas na região do começo da Vila Santo Antonio.  Os mascates atendiam o pessoal da roça e também da cidade, principalmente da periferia, e tinham clientes  em toda a região alcançando até a distante Jales(de estrada de terra), próximo da  divisa do estado nas barrancas do rio Paraná. Ao mesmo tempo em que visitavam as casas transportando  nas costas grandes valises com artigos úteis e da moda, principalmente roupas, traziam cartas para serem postalizadas e encomendas destinadas a  parentes e amigos da cidade, revelando o lado social até então desconhecido. A vinda das famílias do campo para as cidades e a instalação  das pequenas lojas na periferia,  fez com que a atividade dos mascates desaparecesse, tornando-os pequenos empresários do mesmo ramo, a exemplo do que fizeram os bens sucedidos Muhammad e  Abdel que, casados com brasileiras, se orgulham dos filhos que têm e,  gentilmente emprestaram um pouco  do seu tempo para a feitura  deste artigo. Bons tempos aqueles em que precisávamos apenas de pequenas coisas e grandes amigos para viver. Hoje o mundo busca grandes coisas e pequenos amigos.

                                                         advogado tributário

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