QUANDO EU ERA PEQUENO
QUANDO EU ERA PEQUENO
José Carlos Buch
Quando eu era pequeno, já trabalhando duro empalhando cadeiras e engraxando sapatos, eu imaginava quão boa era vida de cachorro, pois não precisava trabalhar e podia dormir o dia todo. Depois descobri que cachorro tem que balançar o rabo para agradar o dono, fica sem comer e até mesmo sem beber, quando o dono esquece de servir comida ou água e vive muito pouco — não mais do que 15 anos–. Então, conclui que vida de cachorro, além de curta, faz jus ao adágio. Quando eu era pequeno, eu sonhava em ser professor, inspirado pela professora do primeiro ano Yeda Barreto, que tinha por mim um carinho especial. Depois descobri que professor, nesse país, nunca foi valorizado e hoje, não bastasse isso, sequer é respeitado pelos alunos. Logo, desisti de ser professor, mas o sonho permaneceu e pôde ser realizado muito tempo depois nos seis anos dedicados aos universitários da FAECA na década de oitenta. Quando eu era pequeno, o sábado à tarde era sonhado e aguardado. Não só por ser véspera do domingo, mas também para poder jogar bola por horas sob o sol escaldante no terrão da Vila Sicopam(atual Jardim Bela Vista) e poder beber água fresquinha tirada do poço, na caneca de alumínio. À noite, não podia faltar o filme Gim das Selvas, Zorro, Tarzan ou Bang Bang das antigas(com direito a várias interrupções e muitas vaias), no antigo e improvisado cinema, onde é hoje o salão de festas da Igreja de São Francisco. Depois descobri que a gente era muito feliz e não se dava conta disso! Quando eu era pequeno, vestir uma roupa ou calçar um sapato novo, mesmo que feito em sapateiro, era algo extraordinário e todo o cuidado era necessário para não sujá-los e, assim, não tomar bronca da mãe. Hoje as crianças não tem essa preocupação. Quando eu era pequeno, a alegria de vestir calça cumprida pela primeira vez era algo tão indescritível quanto ganhar um presente de Natal. Depois descobri que não é a calça comprida que faz verdadeiramente um homem. Quando eu era pequeno, o Natal era diferente, demorava um século pra chegar, não tinha tanto apelo comercial nem tanta exploração do profano — papai Noel incluído –, e a missa do Galo começava exatamente à meia noite. Bons tempos aqueles! Quando eu era pequeno, cumprindo recomendação da minha mãe, nunca deixava de acender uma vela no cruzeiro da Igreja de São Francisco, sempre no mês de dezembro, agradecendo por ter passado de ano na escola. Agradecer é um verbo que não deve ser usado com moderação! Quando eu era pequeno, nunca deixava de acordar cedo no dia primeiro de cada ano, pra pedir bom princípio nas casas e para as pessoas e, como toda criança exigente, ficava desapontado e decepcionado quando recebia bolo ou balas. O dinheiro começava a ganhar importância. Quando eu era pequeno, sonhava em ter um relógio de pulso, mas me contentava em ficar alguns minutos com o relógio emprestado do amigo de escola. Era privilégio de poucos e a China não invadia o mundo com quinquilharias. Quando eu era pequeno, a melhor escola da cidade era o Instituto Barão do Rio Branco e não se ouvia falar em escolas particulares; alunos formados na escola técnica de contabilidade dos Irmãos Além, tinham o diploma de curso superior e realmente faziam jus ao título e a formação de professor não ia além do curso normal. A escola ensinava e os alunos realmente aprendiam. Quando eu era pequeno, a aula de caligrafia proporcionava a todos a oportunidade de escrever bonito e legível, muito raro na maioria das nossas crianças de hoje que, não sabem ler o que escrevem e, o que é pior não sabem escrever o que leram. Por isso que o nosso país está cheio de analfabetos funcionais. Quando eu era pequeno, a vida era bastante simples e os políticos, quando roubavam, se contentavam com pouco. Hoje, o roubar vem antes do fazer. Quando eu era pequeno, não existia supermercado e as compras na venda eram anotadas na caderneta para serem pagas todo início de mês e raramente acontecia inadimplência. Era o famoso fiado embasado na confiança. Quando eu era pequeno, quem tinha carro era rico e quem tinha lambreta ou vespa era intermediário. Pé de borracha, como se dizia, era privilégio de poucos. Quando eu era pequeno, eu sonhava com coisas simples — ter um bom emprego – trabalho na sombra e limpo, como queria minha mãe Julia -, ter uma lambreta ou fusca 1.300, ter uma casa no bairro com quintal e garagem, casar e ter filhos. A vida meu deu tudo isso e muito mais. Então agradecer, nunca é demais. Feliz ano novo e que, em 2015, as realizações possam ter a mesma simetria dos sonhos.
advogado tributário
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